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sábado, 21 de dezembro de 2013

Conto: Areia

Estava em seu sofá, deitado.
A lâmpada acesa, o âmago de seu olhar angustiado. Lâmpada fluorescente velha, regiões escurecidas e volta e meia um piscar frenético. Preciso consertar isso, pensou.
O olhar ficou pesado; o sono veio. Dali não podia ver o relógio oculto em sombras, tique-taqueando sete para as quatro da manhã.
Um líquido gotejava pela fenda no forro do teto. Algum rato mijando, de novo. Preciso dar um jeito nisso também. Mas não era líquido, parecia forçar-se através da fenda e cair com um som seco no assoalho.
Seus olhos, duas rochas impossíveis de se segurar, cederam ao sono.
Não chegou a ver a substância fluindo dourada à luz defeituosa da lâmpada. Cristais minúsculos reluziam e esparramavam-se no chão, onde um montículo cônico cresceu durante o resto da noite.
Tique-taque-nove-horas-da-manhã; acordou com o pescoço endurecido. Tentou falar, acabou entupindo a boca e se afogando.

Areia, pôde ver agora. Saíra da fenda e inundara o cômodo, senão a casa toda. Havia areia até o seu queixo. Esforçou-se para se mover e subiu no sofá. O que diabos aconteceu aqui? Um caminhão de construção caiu do céu na minha casa?
- Preciso de uma ajuda aqui! - gritou, pensando na possibilidade de um motorista com cara de idiota aparecer na janela, coçando a cabeça por debaixo de um capacete branco.
- Não haverá ajuda para você. - disse uma voz grossa e ecoada.
- Quem é você?
Não houve resposta. A areia recolheu-se, transformando-se num pequeno volume flutuando no ar à sua frente. Um rosto emergiu do volume, austero e cheios de pés de galinha moldados em areia.
- Sou o Tempo, e vim te consumir. - a boca incrivelmente se movia, derrubando farelos como uma ampulheta quebrada.
Outro volume flutuou no ar, formando uma mão grotesca. Apontou para o relógio.
Olhou para o relógio, e assustou-se com o que viu: os ponteiros avançavam loucamente, porém nada ao seu redor parecia realmente envelhecer. Gravou bem a imagem do cômodo e fechou os olhos, e tornou a abri-los segundos depois. Tudo havia mudado. Teias de aranha, bolores e cheiros pútridos empestavam sua casa, e aquele rosto sinistro e sobrenatural o encarava. Será que realmente acordei?
- Sim. Você está acordado.
- Que tipo de brincadeira é essa? Cade as câmeras...
- Não é brincadeira. Sou o Tempo, o eterno predador de todas as coisas, até do próprio universo. Está quase na sua hora.
O relógio avançava mais rápido; se não fosse um pêndulo, teria parado há muito tempo. Sua proteção de vidro se enchia de pó e insetos em seu interior.
Gritou ao puxar os cabelos da cabeça e se deparar com um chumaço branco entre os dedos.
- Deixe-me em paz, assombração dos infernos! - fechava os olhos por um tempo e abria-os novamente, na esperança da alucinação acabar.
- A paz também é consumida pelo Tempo. E eu sou o Tempo. Já é sua hora.
O homem careca, banguela, as roupas viradas em farrapos, caiu de joelhos.
- Por que não me dá outra chance? Sei que não fui a melhor das pessoas...
- O seu caráter não convém. Sou apenas o Tempo, e consumo as estrelas da mesma maneira que consumo vocês homens. Vamos embora.
Uma areia úmida e densa envolvia o homem, enquanto o mesmo berrava como um bebê recém-nascido.
- Antes de se preocupar em consertar a sua casa e seus demais bens, devia ter se preocupado em consertar os próprios pensamentos. - falou o Tempo.

- Adriano M. Souza - 

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