Ouvimos (e muito!) sobre as horríveis doenças que rodeiam a humanidade. Intermináveis tipos de câncer, de vírus que nos entram pelos ouvidos sorrateiramente, alojando-se em nossos corpos, vulnerabilizando nossos perfeitos sistemas naturais; doenças causadas por organismos para nós minúsculos, que parecem ter sido desenvolvidos em outros mundos ou num laboratório secreto do governo.
Sabe, a maioria dos presenteados com este pacotinho que contém algumas gramas de enfermidades também são etiquetados com a morte, como uma prévia do fim numa sala de cinema onde algum espertinho grita como o filme vai acabar.
Mas algumas dores não matam. Só atormentam, atormentam e atormentam. Há dores como a enxaqueca que não matam, mas fazem com que o infeliz portador sofra com o latejar de pequenos martelos moldando seu crânio fervendo. Outras, como o cálculo renal, são terríveis até para o espectador, que começa a sentir uma dor psicológica cercando-o, para abraçá-lo com um colete de espinhos. Quando a dor resolve bater à porta de um afortunado qualquer, transforma-o em um mendigo de remédios.
Este é o caso de Alfred; ele sofre de enxaqueca. Mas, antes do aparecimento das primeiras dores no início de uma noite qualquer, ele era um cidadão que trabalhava em seu escritório, não se intrometia em assuntos alheios e passava seu tempo livre não fazendo porcaria nenhuma. Exatamente assim que Alfred sempre comentava: Fico fazendo porcaria nenhuma e me odeio por isso.
Porém, ao desenrolar das primeiras noites de martelinhos forjando seu crânio - o que fazia-o sonhar com um juiz carrancudo no tribunal sonho após sonho condenando-o à cadeira elétrica - , começara a perder o sossego em ficar fazendo porcaria nenhuma; começara a agonizar, pressionando as têmporas, durante o maior tempo das suas folgas.
Alfred passou a vestir-se melhor, a fazer programas e a sair com alguns colegas de empresa. A enxaqueca acabou por mostrar que havia sofrimento no mundo enquanto ele sentava no sofá e enchia o chão, dedos e boca de gordura de batata-frita. Começou a se convencer que o mundo tinha muito mais a oferecê-lo, e que ele não estava usufruindo de nada.
Foi assim que o secretário de meia-idade, um pouco acima do peso ideal (não o suficiente para fazê-lo gordo) vestiu uma confortável samba-canção preta, uma regata branca, uma calça marrom e seu único par de tênis esportivos e dirigiu-se à porta de sua humilde casa alugada próxima à zona nobre da cidade. Deu um empurrão rápido com as duas mãos e a porta se abriu, escancarando o radiante sol da manhã de folga.
Olhou para cima com a mão formando uma aba na testa e arrependeu-se de ter olhado. Uma dor pareceu serpentear do seu nariz à nuca, e depois fazer vários círculos latejantes até se encerrarem no redemoinho do seu cabelo.
- Droga! Nunca senti ela tão...forte. Que droga! Não conseguirei fazer nada hoje. - E entrou rapidamente para sua casa. Outra dor igualmente desagradável tomou conta de sua cabeça até que seus olhos se acostumaram com a pouca luz interior.
Tentou assistir alguma coisa. Sem sucesso. A dor só pioraria. E não adiantava tentar dormir porque, enquanto permanecesse deitado, o juiz carrancudo iria bater incansavelmente o martelo na sua cabeça.
Apagou todas as luzes e tentou mergulhar no silêncio, mas os caminhões de concreto e as sirenes policiais não colaboraram. Pensou consigo mesmo: Quando uma dor bate em sua porta, continua parada ali, esperando suas outras amigas - as outras dores - chegarem.
- Adriano M. Souza -
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