Finalmente o momento tão esperado. Observava
pacientemente as últimas filas lotarem, enquanto que as da frente foram as
últimas a ser preenchidas por completo. Cerca de mil alunos encontravam-se
conversando, brigando, resmungando, curiosos a respeito do homem que sozinho
iria encará-los de cima do palco. A hora não demorou a passar, e logo recebeu a
ordem para começar com a apresentação. Ligou o microfone previamente testado.
- BOM DIA!
Muitas vozes responderam com certa falta de
sincronia. Augusto se apresentou, contando um pouco sobre seus tempos
escolares, elogiando alguns professores que assistiam na primeira fila. Havia
uma pequena mesa baixa ao seu lado, onde colocara sua mala sofisticada. Ele a
abriu, porém ninguém conseguiu ver seu conteúdo enterrado em veludo negro. .
- Muito bem, agora quero fazer uma pergunta. - Sua voz mudou repentinamente para um tom sério, fazendo os murmúrios dos rebeldes das últimas filas cessarem. - Quem
quiser responder, suba aqui em cima. Cara juventude, o que é viver?
Um menino de óculos se levantou, porém não se
moveu mais.
- Viver
não é apenas existir. Algumas pessoas existem, e é só. Escolher viver é
aproveitar tudo que vier. – disse o menino.
Augusto sorriu por um instante. – E se você
escolher viver, e de repente sua família morrer, seus planos tomarem outros
rumos – inesperados -, o que pensa em fazer?
O menino não tinha resposta para aquilo.
Enrubesceu em meio a tantos rostos debochados, outros perplexos.
- Seus professores irão dizer-lhes que a vida
será difícil. E então, mesmo com tamanha capacidade formal de ensinar, eles não
explicarão o que é tal dificuldade tão inevitável, porque é uma carta diferente
para todos nós.
Na primeira fileira, professores olharam-no surpresos,
outros pigarreavam e remexiam-se nos assentos. Ele é louco para vir à escola falar tamanha bobagem? Alguns olhos o
condenavam por trás de óculos velhos. Augusto continuou:
- Às vezes
nos enganamos com as próprias escolhas, e às vezes elas dão certo. E quando dão
certo, às vezes – para não dizer quase sempre – uma eventualidade nada
agradável destrói nossa maior trama de um futuro promissor. O que fazer? Parece
uma pergunta infinita, com outras infinitas respostas aguardando-a das sombras.
– houve uma pausa, na verdade uma maneira de avaliar o quanto seu discurso
estava fazendo efeito – Poderia alguém dar-lhes a Resposta das Respostas? Vocês
estão em uma escola, se preparando para trabalhar daqui dois anos ou ano que
vem. Tá, e daí? O que conseguirão com tudo isso?
Uma figura pôs-se a caminhar debilmente, pálida à
luz gritante dos holofotes. Fez o gesto que pedia um momento tímido para
responder. O auxiliar de palco entregou o microfone à figura, que segurou-o de
forma frágil, quase derrubando-o. Por fim seus lábios abriram-se numa fina
fenda de carne pálida, dizendo:
- O homem precisa caminhar. Caminhar sempre em
frente. Todas as gerações resistiram assim, caminhando e se questionando,
questionando tudo à sua volta, as estrelas, a terra e a água. Estamos aqui, no
tempo presente, como a prova real de que todo um caminho fora percorrido. E se
o mundo está perdido, e se nada mais fizer sentido, o homem continua
caminhando, seja na pior das solidões ou na melhor das alegrias. Nunca devemos
nos conformar. Há sempre uma estrada à frente, algo a mais para vislumbrar. –
disse o menino que se chamava Gary, Augusto o reconheceu. Segundos depois fora
contemplado com suspiros de admiração e surpresa e aplausos.
O garoto devolveu o microfone ao auxiliar de
palco, e voltou à sua cadeira em seus passos débeis, arrastados, sem responder
ao menos com uma expressão aprovadora. Augusto sorriu, aguardou que o tumulto
acabasse sozinho, e falou:
- O jovem foi muito corajoso, admito. Falar sobre
questões existências causa irritação em qualquer grupo de qualquer etnia. É
como se, no dia-a-dia, para não haver o perigo de alguém perguntar distraidamente
para outra pessoa “Olá, porque você veio para cá? Qual seu objetivo? O que lhe
movimenta?”, o assunto programado é “Olá, choveu muito ontem, não é mesmo?”. Ninguém
parece gostar desse tipo de discussão, e sem dúvida todo mundo antes de dormir
pensa a respeito. – houve mais uma pausa. Então Augusto retirou sua mala de cima
da mesa, apertou alguns pinos e puxou alguns ganchos de complicado manuseio, e
a mala se abriu. Com seu conteúdo ofuscado num forro negro aveludado, a mala
ainda ocultava o que havia em seu interior. – Quero fazer uma experiência com
todos, mas para isso precisarei de um bom voluntário que suba aqui em cima para
me ajudar.
- Adriano M. Souza -
- Adriano M. Souza -
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