Páginas

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Fantasias sobre fatos - Gary - 03


Conhecera um homem no início da manhã. Augusto era o nome dele; parecia um inspetor do futuro que viera averiguar os acontecimentos do passado, com suas roupas sofisticadas e sua mala prateada, que poderia a qualquer momento se abrir e revelar qualquer mecanismo enorme. Mas não. Era um homem normal, do presente. Normal na verdade não, pois fazia-o lembrar do pai. Além de tudo, o homem conhecia fantasia, e gostava dela. Gary por anos sustentou o pensamento de que todos os adultos um dia mergulharam em mundos de realidades alternativas, com seres curiosos e poderosos que poderiam nos dar uma lição para a vida durante o relato de jornadas inesquecíveis. Também, anexado a este pensamento, imaginava que todos os adultos tornaram-se maduros e por fim acharam aqueles mundos estúpidos e infantis. Claro que Tiago, seu pai, tratava-se de uma cláusula especial. Mas agora havia outro, havia Augusto. Poderia encontrá-lo novamente? Achava que não, porém queria.
A voz do professor de história se tornava cada vez mais alta – uma tentativa de chamar a atenção da turma que queria falar e ouvir de tudo e de todos, menos de suas palavras lapidadas sobre os povos ancestrais americanos. Gary, o único interessado no assunto, distraíra-se pensando no homem da maleta metálica. A voz do professor agora chegava aos seus ouvidos lentamente, como um objetivo arremessado embaixo d’água. Não demorou muito até acontecer a mesma coisa com sua visão. E num súbito devaneio, estava em outro lugar que talvez nem existisse.
Era um total negrume, que iluminou-se aos poucos como um cidade que se recupera de uma queda de energia. As luzes brancas originavam-se de pontos, sendo cada qual separado por dois metros de escuridão. Duas linhas dessas luzes vinham do mesmo lugar em sua direção, lembrando uma passarela de um desfile de moda. Nada mais se podia ver.

Pac... Plac... Plac... – o som de líquido fazia ao pingar em algum lugar.
Gary só via a passarela iluminada, porém bem sabia que havia algo sobre ela; e podia vê-lo. Na verdade, havia o chamado.

- Você gosta da água, Gary? Do som dos pingos de chuva caindo? – uma voz perguntou; uma voz que não definia feminilidade ou masculinidade. Uma voz vagarosa que parecia nunca chegar, nunca terminar sua sentença. De algum modo soube quando era o momento de responder.

- Sim.

- De onde vem a água, Gary?

- Da Terra. Da natureza.

- E de onde veio a Terra, com sua natureza? – a voz ganhou um tom subido de arrogância.

- Não sei.

Ouviu uma respiração profunda, doentia.
- Quem é sua mãe, Gary?

- Não sei.

- Você sabe quem é o seu pai?

- Eu sei.

- Sabe a importância dele?

- Apenas sei que é importante.

- Tiago cuidou bem de você; lhe ensinou bem.

- Obrigado.

- Deve contar o que sabe a todos, Gary.

- Eu devo?

- Sim. É necessário contar a todos.

- Sim. É.

- Hoje, Gary. Daqui a algumas horas. Saberá quando sua oportunidade chegar. Se estiver realmente pronto para isso – a voz saíra da arrogância e fora para a seriedade – saberá quando interrompê-lo e começar a falar.
- Interromper quem?

- Espero que você saiba. Precisa contar a todos antes que o segredo acabe em você. É 
necessário. Quando – e se – você começar a contar, os sentimentos de quem lhe ouve serão restabelecidos; não sobrará dúvidas nos olhos de ninguém quando você terminar. Dentro de poucos dias todos saberão a verdade.

- E o meu pai?

- Ele o criou para isso. Não cabe a ele. Talvez nunca mais se encontrem.

- Tudo bem. - Gary já não conseguia dar respostas mais complexas, fora tomado por um súbito desejo de obediência. As palavras pareciam sair da sua boca como se fossem de outra pessoa.

- Contamos com você. Há milhões de anos tentamos isso.

A voz parou de falar. As luzes gradualmente se apagaram. O negrume se extinguiu e Gary voltou à realidade, como quando olhamos um vidro fumê à distância e, ao se aproximar, conseguimos ver o que se oculta por trás dele.

- ...rrompermos a aula dessa maneira, gente, mas o professor já estava sabendo. Podem guardar o material e se dirigirem ao palco principal. O conhecimento vos espera. – estava dizendo Kelly, a moça da secretaria. Gary a conhecia apenas de vista.

- Isso aê! Vamos assistir a um filme? – alguém perguntou.

- Não. Claro que não. Teremos uma palestra.

E a turma caiu em desespero. As palestras: para eles falatórios que jamais pareciam ter fim, sobre um assunto que não dizia respeito a ninguém.

- Eu prefiro um show de rock – gritou o robusto Fred.

- Cale a boca Fred. A palestra é sobre o quê? – uma das meninas inteligentes perguntou.

- Prefiro não dizer; é surpresa. Um antigo aluno da escola fez questão de vir ter uma palavra com todo o ensino médio. O nome dele é Augusto e promete que esse dia mudará a vida de todos vocês.

Gary, menino sempre quieto e disciplinado, ficou boquiaberto e com os olhos esbugalhados. O professor notou sua expressão e fez uma cara de “não foi uma boa hora de olhar pra esse lado”.
Todos tentaram sair ao mesmo tempo. Gary imaginou um confronto épico entre a diretora e a manada de búfalos que avançava aos empurrões. Sua tensão chegava a ser visível; um balde transbordando medo e aflição havia sido jogado em sua cabeça.

 As turmas pouco a pouco recheavam o palco principal. Augusto estava lá, em pé, com todo o equipamento multimídia disponível e sua estranha maleta fechada em cima de uma mesa. Gary se sentou em uma das primeiras fileiras. A voz falara que ele saberia o momento certo, e agora estava ciente disso.

- Adriano M. Souza -

Nenhum comentário:

Postar um comentário