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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Uma dor bate em sua porta - Alfred - 06

Estava cansado até de pensar e queria aproveitar que a dor de cabeça havia parado. Abriu os olhos e viu que estava num quarto muito semelhante ao quarto onde estava Jorge. Podia até afirmar que era o mesmo, não fosse pela ausência do porta-retrato e a vista diferente da janela e, sem dúvida, da mulher querendo matá-lo.
Quando a mulher de Jorge chamou-o monstro não se sentira insultado; se sentira inteiramente culpado. Claro que a mulher não precisava necessariamente espancá-lo, e a tentação de paralisá-la fora grande, porém sabia que se tivesse feito isso, teria acordado na delegacia e não no hospital.
Sentiu vontade de movimentar os braços. Quando o fez, uma dor subiu pelas veias, percorrendo todo o corpo. Penetrada em sua mão havia uma pequena lâmina, a ponta perfurante de uma minúscula mangueira transparente, que transportava o líquido contido num saco plástico suspenso por um equipamento. Alfred se concentrou e pôde sentir o líquido invadindo seu corpo, mas para curá-lo; podia ser com esse propósito e, mesmo assim, ele não perdia o pavor que tinha por agulhas. Usava uma roupa larga, de cor azul fraquíssimo; lembrava um pouco o pijama que o pai usava.
Bateram na porta. Abriram-na.

- Bom dia senhor Alfred. Que bom que está acordado. Como está?

- Bom dia. Estou bem melhor.

- Ótimo. Estou aqui para falar com o senhor. Sou o doutor Bruno.

- Muito prazer.

- O prazer é todo meu. Acho que não foi muito prazeroso pra você ter de ver um médico. – sorriu – Basta alguém ver um sujeito de uniforme branco visitando sua casa e já se imagina uma tragédia.

- Isso é verdade.

O doutor puxou uma cadeira reservada para visitas – que no caso de Alfred não haveria nenhuma – e sentou bem perto da cama. – Alfred, vou direto ao ponto: você não precisava ter ficado aqui esses dois dias por causa de alguns arranhões de uma mulher furiosa.  Sua dor de cabeça nos preocupou muito.

- Dois dias? – não estava lembrado de ter se passado tanto tempo, afinal teve apenas um sonho curto...

- Sim. O primeiro dia você simplesmente desmaiou. No segundo, ficou dormindo.

- Entendo. - Alfred olhou o saco transparente de soro; estava perdendo o seu conteúdo lentamente.

- Fizemos alguns exames em você. Os resultados não foram satisfatórios. Sabe, as dores de cabeça têm um motivo; e geralmente conseguimos descobri-lo. Não no seu caso, infelizmente, Alfred.

Alfred tinha medo de perguntar uma única coisa. Tomou coragem. – Há possibilidade de risco de vida?

- Sinceramente eu não sei. Precisamos fazer mais exames. A boa notícia é que você poderá fazer um tratamento experimental à base de um medicamento diário, ou seja, a dor será pequena ou nula.
Não sabia se podia ficar feliz com a notícia. Lembrou-se das dores, os tambores e os juízes. – Muito obrigado doutor. Não sabe o quanto essa dor é forte... É como uma tortura.
- Entendo seu alívio Alfred, mas não se esqueça de que você não está curado. Trata-se de um medicamento experimental. Entro em mais detalhes amanhã sobre isso. – o doutor se levantou e parou como se faltasse dizer alguma coisa. – E tem mais coisa.

- O quê?

- Marta, a mulher de Jorge, acusa-o de tentativa de homicídio. Consegui afastá-la de você por alguns dias, porque Jorge está se recuperando. O que você diz em sua defesa?

- Tudo que eu fiz foi lhe oferecer a minha impressora, que era mais rápida e silenciosa. Ele não demonstrou resistência. Eu não sabia...

- Entendi. – o doutor o encarou desconfiado - Terá tempo para resolver isso depois que sair daqui. Por enquanto relaxe.

- Bruno...

- Diga Alfred.

- A dor. Um inimigo do qual não se pode fugir. É meio aterrorizante.

- Concordo com você. Quando consegui meu primeiro emprego descobri que as pessoas não eram como os mortos com cobertura de formol. Têm as próprias reações, expressões, sentimentos. Tudo é diferente em cada um. E a dor é um inimigo à espreita, ou pode ser um grande aliado informando de que algo está errado. Acho que a dor está apontando um problema, Alfred, apenas a veja como uma boa anciã que sabe das coisas.

- Ela poderia fazer isso de uma maneira menos dolorosa.

O doutor riu - Se fosse assim, ninguém prestaria atenção. Pedirei à enfermeira que volte aqui hoje. Até amanhã Alfred.

- Obrigado. Até amanhã.

Antes de voltar ao sono cansado de doente, Alfred sentiu-se aliviado por saber que poderia viver sem dor de cabeça. Porém, no fundo, sentiu um calafrio vindo de lugar nenhum, que dizia “Não é só uma dor de cabeça. Há algo de errado com você, muito errado.” Por ora só restava esperar os exames. E, depois de tudo isso resolvido, teria de lidar com uma mulher no tribunal; a situação comum, a seu ver, era acabar com o homem perdendo, mesmo com a razão em mãos.

Depois de tudo que acontecera em sua vida, pensava que todas as peças construídas se encaixariam, formando uma bela imagem futuramente. Olhando para o teto da sala monótona – segundos antes de dormir – pensou: Mãe e pai, talvez seja essa a hora de me juntar a vocês.

- Adriano M. de Souza -



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