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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Malas prontas para o fim - Augusto - 03

Após algumas horas uma voz produzida por uma caixa de som camuflada em algum lugar - no teto ou nos assentos - transmitiu calmamente a notícia de que o avião pousaria em breve, sem nenhum imprevisto registrado. Houve momentos da viagem em que um velho homem me chamou a atenção, sentado no assento individual ao lado da janela oposta. Não poderia explicar-lhes perfeitamente, mas ele me encarava e sorria confiante como se soubesse meu passado e futuro de alguma forma. Encontrei nos seus olhos repletos de pés-de-galinha uma sensação de como se eu fosse um doente que procura um famoso curandeiro que, apenas à primeira olhadela, percebe sua doença íntima de imediato. A voz na caixa de som retornou, avisando o pouso bem sucedido.

Depois de realizar todos os velhos rituais pós-viagem ainda no aeroporto, "cortesia" incluída no meu plano de Passageiro Vip Master, peguei um táxi para chegar ao hotel onde me instalaria.

Abrindo a porta do táxi em frente ao hotel, enquanto o motorista retirava as coisas do porta-malas, um menino se aproximou com os braços escondidos nas costas e olhou para mim com cara de tristeza.
- Moço, tenho fome. Não tenho mãe, não tenho pai. - disse ele a mim.
Entendendo a situação do menino, levei a mão ao bolso e tirei algumas notas que recebi de troco no aeroporto. - Tome. Mate sua fome, mas não se mate. Se bem que vai demorar para morrer, pois você já perdeu tudo e não sabe o que há para perder. Para você tudo será uma farta recompensa. Tem sorte, menino.
 Lágrimas escorreram dos pequenos olhos do menino, e ele assentiu. - Se você diz, moço. Que Deus te abençoe. - E sumiu pelo mesmo lugar de onde apareceu.
O motorista já esperava inquieto ao meu lado, olhando para o relógio de pulso.
 - Aqui estão suas malas, e o seu troco. O senhor não é daqui, certo? Eu vi o que o senhor fez. Não devia ficar alimentando as mentiras desses vagabundinhos drogados.
 - Obrigado pelo conselho, mas eu tenho minha própria opinião a respeito. Pode ficar com o troco.
 - Você realmente não é daqui. - virou-se e entrou no táxi pela porta do carona, passando agilmente para o lado do volante.
Entrei no hotel, passei pelo serviço de atendimento e descobri que o quarto 302 já me aguardava completamente arrumado há uma hora (como as pessoas fazem brotar favores pelas paredes quando se trata de agradar alguém rico). Um jovem de uniforme me ajudou com as malas. Três minutos de elevador e mais algumas frases técnicas e finalmente sozinho. Tudo pronto. Amanhã será minha palestra.

 "Augusto abriu sua maior mala e retirou um blazer cujos bolsos internos reluziram objetos indefinidos; estendeu-o em cima da cama arrumada e sacou uma faca, uma beretta e uma lata vazia de sardinha. Sorriu e guardou-os novamente, cuidadoso. Deixou apenas a luz amarelo-fosca do abajur acesa. Deitou na cama com as mãos na cabeça."

Tudo pronto. Amanhã será minha palestra.

 - Adriano M. Souza -

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