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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Malas prontas para o fim - Augusto - 04

- É uma pena que não possa ser hoje, Kelly. – Augusto usava uma roupa formal; não um terno – porque era formal demais –, mas uma roupa que impusesse respeito. Um corte de cabelo neutro reforçava sua seriedade. Trazia também uma maleta cinza iguais àquelas que os mafiosos usam nos filmes para transportar elevadas quantias de dinheiro... Ou uma bomba.

- Desculpe por isso Augusto. 40% das turmas têm prova marcada hoje, e a escola deve priorizar as decisões dos professores. – Kelly usava uma saia verde e uma blusa vermelha. Segurava uma prancheta na mão, mostrando a Augusto uma lista das turmas e seus dados gerais.

- Sim, com toda a certeza. – concordou Augusto fingindo prestar atenção nos nomes, mas na verdade olhava Kelly dos pés à cabeça. Puxa, ela parece uma melancia com estas cores.

- Além do mais acho até melhor que seja amanhã.

- Por quê?

- Porque não tivemos tempo de divulgar às turmas.

- Olha Kelly... Nos meus tempos de escola, se você falasse que haveria uma palestra amanhã, ninguém estaria aqui amanhã.

Kelly riu. – Já sabemos disso, fique tranquilo. Nossa estratégia é divulgar assim que a aula se der início amanhã. Então os conduziremos ao auditório principal.

- Então ótimo. Quero todos os alunos do ensino médio com os olhos em mim, se for possível.

- O senhor parece mesmo determinado. No telefone não entendi bem o que você quis dizer, mas não hesitei em marcar compromisso ao julgar o currículo que você nos mandou.

- Particularmente eu acho um currículo modesto; mas há piores, não é?

- Modesto? Não brinque comigo. Com toda certeza que há piores, e milhares. O senhor poderia me falar em resumo o tema de abordagem da palestra e os possíveis eventos que poderão ocorrer?

- Novamente lhe peço que confie em mim. Na verdade quero abordar sobre tudo, a vida.

- Não é amplamente filosófica, certo? Porque esse tipo de palestra sempre acaba com uma ou duas professoras querendo arrancar os cabelos dos alunos.

- Abordarei filosofia, creio eu. Mas o que eu quero deixar claro é o seguinte: vou mudar a vida dos seus alunos. Para sempre.

Kelly de repente pareceu encarar Augusto como uma tiete que dá de cara com seu cantor idolatrado. – Nossa! Então está bem. Só preciso que você preencha essas linhas em branco com sua assinatura, e tudo estará marcado.

- Tudo bem, foi um prazer voltar à minha cidade natal. Tenho muitas lembranças da escola. Está vendo o terceiro bebedouro ao lado do banheiro masculino? – Augusto apontou com o dedo.

- Sim, estou. O que tem ele?

- Foi bem ali que levei uma surra de quatro colegas por não ter passado o gabarito do exame final.
Os dois caíram na risada.

- Suponho que eu não deva perguntar onde você arranjou o gabarito exame.

- Ah, com certeza que não deve.

- E nós, a serviço sempre da educação, sempre dizendo que alunos que colam nas provas, distraídos e bagunceiros nunca serão boa coisa na vida. – disse Kelly em tom irônico.

- Devemos tomar cuidado com as contradições. Veja bem, Bill Gates saiu da escola.

- Hoje em dia essa é a maior desculpa desses alunos desmiolados, viu?

- Imagino que sim. – estava terminando de assinar a última linha da prancheta onde dizia para ele se declarar inteiramente responsável por quaisquer danos – será que você me permite respirar o ar que passa por esses corredores de novo? Quero dar uma olhada no ambiente.

- Oh, claro, sem problema. Fique à vontade. Volte à secretaria ou me ligue se precisar de alguma coisa.

- Muito obrigado, Kelly, pode deixar.

Kelly voltou ao seu trabalho na secretaria, deixando Augusto no pátio da Escola de Lordevile. Augusto estava decidindo se visitaria primeiro o velho bibliotecário ou a antiga escadaria dos fundos onde ele e Laura trocaram as primeiras tímidas carícias. Antes de se decidir, um zumbido passou do seu ouvido esquerdo para o direito. Era um beija-flor; pequena ave encantadora que dá a sensação de velocidade e destreza. O bichinho se deparou com o próprio reflexo no revestimento metálico da mala de Augusto, deu duas bicadas e – zum - sumiu no céu.
Decidiu começar pelas escadarias quando sua visão periférica notou alguém vindo do portão da escola. Augusto olhou para o menino de estatura baixa. Tinha uma franja parelha de cabelos bagunçados e um olhar vago, distante; olhos castanho-amarelados sem dúvida. A mesma cor dos olhos de Laura, não esquecia. Certamente o menino era um aluno, pois notava-se a mochila velha pendurada nas costas. Vinha caminhando lentamente, até que Augusto viu o grosso livro que ele trazia por entre os braços cruzados: O Senhor dos Anéis. Sentiu uma estranha curiosidade em saber quem era aquele aluno.
- Olá, garoto. – acenou Augusto. O menino ergueu os olhos do chão.

- Oi. – o menino não parou. Parecia estar acostumado a apenas cumprimentar e seguir em frente.

- Garoto, espere. – agora ele parou.

- Desculpe, senhor. Sim?

- Sem problemas. – ofereceu a mão direita, inclinando-se. – Me chamo Augusto.

- Oi, meu nome é Gary – o menino apertou a mão em resposta.

- Senhor dos Anéis, não é? Uma ótima história. Adoro fantasia.

O menino pareceu gostar do que ouviu.
- Sim! Também gosto muito. – apontou para o livro – É presente de meu pai.

- Legal, então você tem um ótimo pai. – Augusto sorriu para ele.

- Quem é o senhor?

- Só vim fazer uma visita à minha antiga escola. A Escola Lordevile. Aposto que muitos alunos nem sequer sabem quem foi Lordevile.

O menino acenou concordando, e disse: - Dizem que há um documento no Museu Lordevile que comprova que um homem morou sozinho nessa região, que era um vale inabitado por humanos. Então, quando chegaram mais pessoas, ele as ajudou com comida e madeira. Assim se fizeram as primeiras moradias, há muito tempo. O homem era simpático, segundo relatos, mas misterioso. Acabou se tornando o líder da primeira colônia. Queria que todos os chamassem de Lorde, e ninguém sabia o significado da palavra. Em homenagem a ele, este lugar se chama Lordevile.

Augusto ficou impressionado. – Muito bem, muito bem! Se eu fosse professor lhe dava nota extra. Está aí um raro estudante nos dias de hoje.

- Obrigado senhor. Estou muito atrasado. Até logo.

- Até logo, então.

Augusto gostou daquele menino; era exatamente como ele na adolescência. Um sujeito muito quieto que, bastasse fazer a pergunta certa que uma tempestade de informação inundava o diálogo. Aonde o garoto parou para falar com ele, havia uma folha seca. Augusto a pegou e percebeu na hora: um marcador de livro. Embora não conseguisse distinguir de que árvore saíra aquela folha. Era dourada e ao mesmo tempo não era. Era vegetal e ao mesmo tempo não era. Que coisa estranha, pensou.

- Adriano M. Souza - 


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