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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Uma dor bate em sua porta - Alfred - 04

Um pequeno porta-retrato exibia uma foto onde três pessoas olhavam sorridentes para a câmera, enquanto se abraçavam. Na foto estava Jorge, sua mulher e sua filha de um ano, sobre um cenário verde de folhas e vermelho de roseiras. O pequeno porta-retrato era a única coisa colorida no quarto do hospital; parecia até não pertencer àquele lúgubre lugar desbotado.

Alfred estava em pé ao lado da cama, com as mãos nos bolsos. Olhava para a foto e depois para Jorge que jazia inconsciente sem previsão de voltar a abrir os olhos.
 - Amigo, sinto muito. De verdade. Se eu soubesse do seu problema nunca te deixaria... - Alfred ouviu passos, um caminhar de pés que calçavam salto alto, aproximando-se da porta.
 - ELE ACORDOU! TEM ALGUÉM CONVERSANDO COM ELE! ALGUÉM, ALGUÉM! ELE ACORDOU! ACORDOU!
A porta se abriu e uma mulher entrou aos tropeços, debruçando-se por cima dos pés de Jorge. Era a mulher do porta-retrato. Ainda ofegava quando percebeu que o marido não havia acordado, e pareceu não ter se importado com Alfred até aquele momento.
 - Quem é você? Por que estava falando sozinho? Meu marido acordou? - levantou-se e cravou as unhas nos ombros de Alfred - Me diga. Diga!
 - Calma senhora, calma! Não, infelizmente ele não acordou. Eu estava falando com ele, sabe, para ele. Sou colega do seu marido na Ideal.
 A mulher soltou seus ombros e esbugalhou os olhos, levando a mão à boca. - Você é o homem da impressora?
 - Sim, sou e-
Paf!Paf!Paf!

Os três tabefes que Alfred levou na cara ressoaram pelo quarto e porta afora. Uma enfermeira que passava pelo corredor entrou no quarto curiosa.

Puf, puf, puf - fizeram os tambores tocados por robustos orientais mais uma vez - era mais um ano novo chinês no interior da cabeça de Alfred. Sentiu as bochechas queimarem, e imaginou a tremenda marca da mão fina da mulher que ficara ali. Não houve tempo para defesas ou respostas, a mulher mostrou os dentes numa expressão furiosa e partiu de novo pra cima dele.
 - Seu MONSTRO! Matou o meu marido! Foi VOCÊ! MONSTRO!

A enfermeira tateou a parede ao lado da porta em busca do telefone, sem desviar o olhar do homem e mulher que rolavam pelo chão ao lado da cama. Fez um telefonema rápido e desligou, correndo para tentar conter a mulher furiosa que estapeava e arranhava o visitante do homem inconsciente.
 - Senhora! Por favor, senhora, preciso que se acalme agora mesmo. Chamei os seguranças.
 A mulher golpeava cegamente e nem sequer ouviu a enfermeira falar. Alfred tentava proteger a cabeça dos socos, tapas e arranhões.
Não demorou muito até aparecer um segurança alto seguido de outra enfermeira. Encontraram a mulher com os cabelos loiros bagunçados, salivando e com pelo menos uma amostra da pele de Alfred debaixo das unhas. Para o segurança não foi difícil paralisar a mulher.
 - Leve-a daqui, por favor! Está totalmente descontrolada. - gritou a enfermeira.
O segurança assentiu saindo do quarto arrastando a mulher pelas axilas, enquanto se esquivava de socos e arranhões. As duas enfermeiras ajudaram Alfred se levantar.
 - Senhor, você está bem?
 - S-sim, não foi nada... É só... minha cabeça. Enxaqueca.
 - O senhor tem enxaqueca? Isso é péssimo. Levou muitos golpes na cabeça, desculpe pela demora para socorrê-lo.
 - N-não...foi bem rápido...Obrigado.
 - É melhor o senhor guardar as explicações para depois. Não sei o que deu naquela mulher. Isso tudo foi estranho. Venha, consegue andar? Por ora podemos fazer um diagnóstico e lhe medicar, só iremos precisar dos seus documentos.
 - T-tudo bem. - na verdade Alfred estava fazendo grande esforço só para manter a cabeça rígida em cima do pescoço; no momento estava tão pesada que parecia ser feita de ferro maciço. E o pior de tudo, um globo de ferro quente, avermelhado de um fogo intenso, queimando sem parar.
 - Está bem senhor. Então vamos, a gente te ajuda na caminhada. - a enfermeira sorriu aquele sorriso de "pode estar tudo errado com você, sua pele poderia ter caído podre no chão, mas sou uma enfermeira e preciso acalmá-lo para o seu próprio bem" - Por aqui. Isso. Bem devagar.

De alguma forma Alfred conseguia mover as pernas, uma e depois outra, e depois a outra de novo. Seu queixo amoleceu e sua língua  perdera as forças. A dor de cabeça era tão forte que já não se importava com o ardume nas costas e bochechas causados pelas malditas unhas da mulher de Jorge. Que boa ideia a dele de visitar o colega por quem se sentia culpado. Seu último pensamento, antes de sua visão começar a escurecer e fechar a janela de acesso ao mundo, foi do por que de ele não ter aceitado o desafio dos amigos mais velhos, quando tinha treze anos, e pulado dentro do rio. Ele não sabia nadar.

                                                               - Adriano M. Souza -


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